terça-feira, 15 de março de 2011

A BURROCRACIA POLICIAL

Cel. José Vicente da Silva

Em agosto de 1995, a Justiça Criminal teve um extraordinário avanço com a edição da Lei nº 9.099, que possibilitou a redução da burocracia e a agilização dos ritos judiciários para os crimes com pena máxima de um ano.
Agora esses delitos de baixo poder ofensivo podem ser tratados oralmente pelo juiz, de maneira que privilegia a informalidade, a economia processual e a rapidez do processo, que pode ser concluído numa única audiência, oferecendo pronta resposta aos delitos e possibilidade de rápida reparação dos danos à vítima. Foi uma inovação quase inacreditável num momento em que o tratamento da lei ia no sentido de agravamento das penas, atendendo-se ao clamor pela contenção dos crimes por meio de dura repressão judicial. Muitos crimes leves e contravenções penais entupiam as delegacias com inquéritos que se tornavam processos e iam atravancar a Justiça e atrapalhar o julgamento dos crimes graves. Com a edição dessa lei, os casos passaram a ser registrados num documento denominado Termo Circunstanciado (TC), imediatamente remetido à um juizado especial para julgamento. Nesse termo, que substitui o velho inquérito policial, são imediatamente qualificados autor e vítima, testemunhas, versões sintetizadas dos fatos, relação de exames periciais requisitados e outros pontos relevantes sobre os fatos. A idéia é fazer uma Justiça ágil, ao menos nesses crimes, reduzindo-se as atividades burocráticas da polícia e da Justiça e, ao mesmo tempo, assegurando-se um drástico instrumento de redução da impunidade, com a oferta de soluções alternativas ao encarceramento.
Mas uma batalha surda começou a se formar nos bastidores das polícias, revelando o vigor das velhas rivalidades corporativas. A PM quer ela própria elaborar o TC e encaminhar diretamente à Justiça, juntamente com as partes que atender, sem passar por uma delegacia de polícia, entendendo que contribuiria melhor para a celeridade do processo judiciário. Os policiais civis, principalmente os delegados, argumentam que os PMs não têm, como eles, formação jurídica para elaborar documentos destinados à Justiça. Esta questão menor mostra grosseiros equívocos do papel e da racionalidade do trabalho das polícias. Um equívoco é considerar que a atividade da polícia de investigação demande formação jurídica, herança do bacharelismo do começo do século passado. Essa distorção - confundir as atividades de polícia investigativa com incumbências de carreira jurídica - distanciou as Polícias Civis de seu papel policial, ao investir na burocracia dos inquéritos policiais, assim como na lavratura do Termo Circunstanciado, sem o devido investimento nas atividades de investigação, as quais ostentam baixíssimos índices de esclarecimentos. As Polícias Militares também já caíram nessa armadilha do bacharelismo ao embutir um curso de Direito em suas academias de formação de oficiais, onde se ensina mais Direito Civil do que técnicas policiais e gerenciais.
Na verdade, para a Justiça e para os propósitos da Lei nº 9.099, tanto faz quem elabora a documentação básica, desde que se faça bem-feito. O principal equívoco da posição da PM é que ela não deve elaborar essa documentação cartorária pelo simples motivo de que já existem repartição e funcionários especializados para essas atividades nas delegacias de polícia. Nem deve se confundir celeridade do processo judicial com pressa das ações policiais.
Também não há sentido em conceder à PM autorização para montar cartórios, ou delegacias próprias, à custa de retirar mais pessoal das ruas para novas atividades burocráticas, além de não estar habilitada a cuidar dos freqüentes casos que retornam para novas diligências e perícias técnicas, o que recomenda localizar na Polícia Civil a elaboração dos TCs. Além disso, nas delegacias das grandes cidades subsídios importantes sobre crimes e transgressores devem ser obtidos no momento da lavratura do TC, mediante formulários eletrônicos dos computadores dos escrivães, o que pode permitir a montagem de banco de dados e possibilitar análises para a compreensão dos crimes e o ajuste de ações preventivas das polícias. Não faz sentido que as polícias retrocedam ao corporativismo mais primitivo justamente para atender à inovadora lei que está colocando a Justiça brasileira no século 21

A COMPETIÇÃO DESIGUAL DA BANDIDAGEM
Temos de aplicar os conceitos de gestão empresarial no combate ao crime
O seqüestro é um crime que cresce em alta velocidade no estado de São Paulo. Foram 13 em 1998 e chegaram a 307 no ano passado. Embora pareça um fenômeno paulista, dramaticamente colocado na berlinda pelo episódio que redundou no assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, esse crime já alarma outros estados. Os seqüestros, que na verdade tiveram início no Rio de janeiro no começo dos anos 90, tornaram-se um modismo no crime, atingindo especialmente empresários - pela suposição de que eles tenham condições de pagar um bom resgate.
As recomendações para reduzir os riscos de um seqüestro variam dos cuidados ao sair de casa ao carro blindado com escolta. Mas isso não garante proteção num ambiente de alta violência no qual o seqüestro chega a parecer o menor dos problemas. Na Grande São Paulo, a cada dia, ao mesmo tempo em que acontece um seqüestro, ocorrem 25 assassinatos, 1,6 mil assaltos e quase 500 furtos de veículos.
É claro que existem os problemas sociais, mas o crime também cresce pela oportunidade, pelo baixo risco e pela garantia de lucro. E não faltam criatividade e ousadia aos bandidos para investir em novos "negócios", como os lucrativos seqüestros tradicionais. Os bandidos fazem alianças estratégicas, inclusive com policiais, para os crimes mais organizados e aplicam nas lavanderias do sistema financeiro. Trabalhando 24 horas por dia, sem burocracia, com lideranças sólidas, grande estímulo à inovação e à produtividade, o crime ganhou diferenciais competitivos em relação ao esforço policial.
Nossa polícia, quando muito, usa os fundamentos do taylorismo: é centralizadora, altamente burocratizada, pouco investe em treinamento, vê a inovação como criação de caso e premia, na hora da promoção, quem está longe da produção. E suas preocupações são restritas à semana de 40 horas. Ponto para os bandidos.
Solução para a segurança? William Bratton, que comandou a redução de 70% dos crimes em Nova York, dá a receita: aplicar os conceitos empresariais de produtividade. A base da segurança é a divisão da cidade em áreas de "negócios" - os distritos policias. Lá, cada chefe, policial civil ou militar, deve ser um gerente com uma missão clara: reduzir o crime. E para isso tem de monitorar seu ambiente de trabalho, analisando o comportamento de seus "clientes bandidos" como um bom banco de dados criminais, e planejar o aumento de riscos para reduzir a "produtividade" do criminoso.
Ajustes de recursos, autonomia, estímulo à criatividade e motivação abundante devem ser "insumos" críticos para os chefes policiais, aos quais se deveria estimular liderança motivadora para a "lucratividade", quer dizer, para a redução dos índices criminais. Mas é preciso que a polícia tenha uma visão de futuro, acredite em sua capacidade de prevenir o crime e invista nessa crença. Precisamos de competência para a realização dessa visão de um futuro mais seguro. Necessitamos de programas e ações objetivas para colocar o crime fora de nossas principais preocupações. Para isso, a polícia precisa de uma revolução gerencial, algo que os empresários conhecem para sobreviver e crescer no competitivo mundo dos negócios. É uma boa hora para discutir como ajudar a polícia com os conhecimentos e a experiência da moderna administração de negócios.
VIOLÊNCIA CUSTA CARO
Cada dólar economizado em prevenção exige 5 outros em custos de reparação
Eis o custo anual da violência na Grande São Paulo: 14 bilhões de reais. A estimativa é do Banco Mundial. Corresponde a quase quatro vezes o orçamento da polícia para todo o Estado. O cálculo compreende as perdas de propriedades (1,5%), custos de despesas médicas (0,6%), perdas de capital humano nos assassinatos (1,7%), custos de conseqüências de traumas (2,1%), e encarceramento (0,1%). Some-se, ainda, custos da policia e justiça (1,6%) e gastos com segurança privada (1,4%). Esses valores merecem acurado exame na realidade específica da Grande São Paulo. É aqui, por exemplo, que ocorrem 30% dos casos nacionais de roubos de carga. Mas como medir o valor do impacto psicológico e social resultante de 1.700 assaltos, 464 furtos e roubos de veículos e 25 assassinatos por dia?
Para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a violência se tornou a principal restrição ao desenvolvimento econômico da América Latina: reduz valores imobiliários, desvaloriza o comércio, agrava custos com medidas de proteção, provoca a migração de empresas para regiões tranqüilas mais distantes, e reduz a qualidade de vida, tão necessária ao convívio social e ao ambiente de negócios. Fugir da região ou investir isoladamente em proteção não é uma solução. Apenas deixa o ambiente livre para a degradação contínua da região e faz crescer cada vez mais o custo da violência. É necessário integrar recursos e criar sinergia com as ações do poder público. O empresariado sobrevive e se torna competitivo por sua capacidade de gerenciar a busca de resultados de qualidade. Essa capacidade pode ser transferida e utilizada em parcerias com o poder público e entidades comunitárias, gerando mecanismos de solução dos problemas e de alavancagem de resultados. Deve-se pensar mais em investimentos do que em custos e, por isso, não se pode imaginar que parceria seja comprar coisas para a polícia.
Há bons exemplos de resultados dessa parceria, que vão da revitalização da Times Square, em Nova York, até as restaurações do Recife Antigo e da área da Ponte dos Ingleses, em Fortaleza, que afugentaram a violência e atraíram negócios com pouco mais que uma “operação belezura”. Criminosos, como as baratas e os ratos, não se adaptam bem em locais limpos que atraem de volta os cidadãos para o espaço público. Em São Paulo, a Federação das Indústrias (Fiesp) está fazendo um modesto mas útil trabalho de ajudar a desenhar um distrito policial padrão, com a contratação de consultores. A Câmara Americana de Comércio, por sua vez, realiza um trabalho experimental de vigilância privada integrada com a policia na região de Santo Amaro, utilizando um sofisticado software de mapeamento criminal. São exemplos isolados de interação do meio empresarial com as autoridades e a comunidade que necessitam continua ampliação. Segundo levantamentos de especialistas americanos, para cada dólar não gasto com prevenção gastam-se outros 5 em custos de reparação.
Se a violência e seus custos são problemas prioritários, então tratemos de resolvê-los. Precisamos fortalecer a visão de uma região decente para se viver com um pouco mais de investimento gerencial e espírito comunitário.

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